“livre-arbítrio” é a primeira expressão que vem à mente de muitos quando se fala em Teologia Arminiana. Essa noção é muitas vezes reduzida a uma simplificação excessiva, retratando o ser humano como o principal protagonista de sua própria salvação. Porém, será que o Arminianismo realmente ensina isso?
Prepare-se para algo inesperado. Neste artigo, exploraremos as verdadeiras crenças de Jacó Armínio e seus seguidores. Veremos que, apesar de essencial, o livre-arbítrio não é o protagonista.
O caráter amoroso e justo de Deus é o verdadeiro protagonista. Além disso, a liberdade humana não é um poder inato, mas sim um milagre da graça divina que nos salva de uma profunda limitação espiritual. Vamos explorar esse conceito juntos.
1. O Ponto de Partida: O Caráter de Deus, Não o Livre-Arbítrio
Diferentemente do que muitos acreditam, a teologia arminiana tem seu início em Deus, não no homem. A liberdade humana não é o seu verdadeiro coração, mas a natureza justa e amorosa de Deus, manifestada em Jesus Cristo. Os arminianos acreditam que a Bíblia apresenta um Deus que anseia sinceramente pela salvação de todos e que não cria ninguém destinado à perdição (1 Timóteo 2:4; 2 Pedro 3:9).
É com base nessa crença sobre a natureza de Deus que o livre-arbítrio se transforma em uma exigência teológica. Por qual motivo?
- Para evitar que Deus seja considerado o autor do pecado: se Deus determinasse cada ato, Ele seria, em última análise, o culpado pelo mal. Para o arminiano, a bondade de Deus implica que a criatura possua uma escolha genuína.
- Para que a responsabilidade humana seja autêntica: os diversos mandamentos, convites e advertências da Bíblia só têm significado se formos capazes de respondê-los. Como poderia Deus afirmar “escolhei hoje a quem sirvais” (Josué 24:15) ou “vinde a mim” (Mateus 11:28) se a opção não existisse?
Assim, o livre-arbítrio não é defendido para enaltecer o ser humano, mas para honrar a natureza divina.
2. A Surpreendente Afirmação Arminiana: A Depravação Total
Nesse momento, pode surgir uma pergunta: “Se os arminianos defendem o livre-arbítrio, eles acreditam que os seres humanos são naturalmente bons ou capazes?”. A resposta é um retumbante não. A doutrina da depravação total é firmemente afirmada pelo Arminianismo clássico.
Isso implica que, devido à Queda, a natureza humana está tão contaminada pelo pecado que somos totalmente incapazes, por nossa própria vontade, de agradar a Deus, buscar a salvação ou exercer fé (Romanos 3:10-12). Estamos, conforme afirma a Escritura, “mortos em nossos delitos e pecados” (Efésios 2:1). Jacó Armínio a caracterizou como “ferida, aleijada, enferma, distorcida e enfraquecida”. Estamos perdidos e escravizados pelo pecado sem a intervenção divina.
Porém, se estamos tão caídos, como podemos escolher a Deus? É nesse ponto que o conceito mais importante da teologia arminiana da salvação se manifesta.
3. A Chave de Tudo: A Graça Preveniente
A graça preveniente (ou graça que vem antes) é o elo entre a total incapacidade humana e a possibilidade de salvação. Este pode ser o princípio mais crucial e menos entendido do Arminianismo.
Qual é a sua atividade? A graça preveniente é uma ação sobrenatural e universal do Espírito Santo que atua em todas as pessoas, refletindo a verdade de que Cristo “atrai todos a si” (João 12:32) e que “a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens” (Tito 2:11). Ela:
- Ilumina a mente: Liberta-nos da escuridão espiritual para que possamos compreender o Evangelho.
- Convence do pecado: conforme a obra do Espírito descrita em João 16:8, revela-nos nossa verdadeira condição e a necessidade de um Salvador.
- Liberta a vontade: quebra as amarras do pecado que nos aprisionam, habilitando-nos a atender ao chamado de Deus.
É importante compreender que essa graça não nos salva de forma automática. Ela nos coloca em uma situação em que a opção se torna viável. Ela recupera a habilidade de dizer “sim” a Deus, porém não elimina a possibilidade de dizer “não”. Por esse motivo, ela é considerada uma graça resistível. Como Estêvão afirmou a seus ouvintes: “vós sempre resistis ao Espírito Santo!” (Atos 7:51).
Assim, essa liberdade para responder ao Evangelho não é uma habilidade inerente do ser humano caído. Trata-se de uma habilidade sobrenatural, restaurada e concedida por Deus. O arminiano não se orgulha de sua “livre-escolha”, uma vez que reconhece que até mesmo a habilidade de escolher foi um dom concedido por Deus.
4. Desfazendo Mitos Comuns
O Arminianismo, por ser uma teologia de equilíbrio, é muitas vezes mal compreendido. Vamos desmistificar dois dos maiores equívocos:
- Mito 1: “O Arminianismo é uma forma de Semi-Pelagianismo.”
Realidade: Esta é a acusação mais frequente e a mais falsa. O Semi-Pelagianismo afirma que o ser humano é capaz de dar o primeiro passo em direção a Deus utilizando sua própria força natural. O Arminianismo preconiza o contrário: devido à depravação total, o primeiro passo sempre parte de Deus, por meio da graça preveniente. Sem essa graça, nada podemos fazer, pois Jesus afirmou: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer” (João 6:44).
- Mito 2: “O livre-arbítrio é o fator decisivo que nos dá mérito na salvação.”
Realidade: No Arminianismo, a salvação é totalmente pela graça, obtida por meio da fé (Efésios 2:8-9). A nossa resposta de “não resistir” à graça não é uma ação meritória. Imagine um homem se afogando: o salva-vidas realiza todo o esforço para alcançá-lo e lhe oferecer uma boia (graça). A única “cooperação” do homem é não socar a boia e se apegar a ela. Ele se gabaria de ter se salvado? Certamente não! Todo o mérito vai para o salva-vidas. Deus é igualmente digno de toda a glória.
Conclusão: Uma Liberdade para a Glória de Deus
Na teologia arminiana, o livre-arbítrio não representa uma afirmação da autonomia humana, mas sim um testemunho da abundante graça de Deus. Trata-se de uma liberdade que não é inerente à nossa natureza, mas que é recuperada por meio da misericórdia divina.
Ele existe para que possamos amar a Deus de maneira autêntica, para que nossa adoração não seja mecânica e automática, mas a de corações que, redimidos pela graça, optam livremente pelo seu Libertador. Em suma, a perspectiva arminiana procura harmonizar a soberania de um Deus que convida a todos com a responsabilidade de um ser humano que, habilitado por Deus, é capaz de responder.
FONTES DE PESQUISAS E INDICAÇÕES DE LEITURA:
1) ARMINIANISMO: a mecânica da salvação. 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2017. ISBN 978-85-263-1460-3 (impresso). ISBN 978-85-263-1534-1.
2) ARMINIANISMO puro e simples. 1. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2018. ISBN 978-85-263-1613-3 (impresso). ISBN 978-85-263-1803-8.
3) OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: mitos e realidades. [S.l.]: Reflexão, [s.d.].
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