Graça que Convida, Fé que Responde

Um Olhar sobre o Arminianismo

A corrente teológica arminiana representa uma importante vertente do pensamento cristão reformado, nascida no final do século XVI nos Países Baixos. Desenvolvida pelo pastor e teólogo Jacó Arminio (1560-1609), essa perspectiva teológica surgiu como uma interpretação alternativa às doutrinas reformadas predominantes da época, especialmente no que diz respeito à compreensão da salvação e o papel da vontade humana no plano divino.

Surgindo como uma resposta crítica às interpretações calvinistas sobre predestinação, o arminianismo propôs uma visão diferenciada da relação entre a divina providência e a participação humana no plano salvífico. Arminio, professor na Universidade de Leiden, desenvolveu uma reflexão teológica que desafiava o determinismo característico do calvinismo ortodoxo.

Após o falecimento de Arminio, seus discípulos sistematizaram seu pensamento em um documento fundamental denominado “Remonstrance“, elaborado em 1610. Este texto apresentava cinco princípios teológicos que se contrapunham às doutrinas calvinistas tradicionais, posteriormente consolidados no acrôstico FACTS que sintetizava seus fundamentos conceituais.

Esses são os 5 princípios teológicos do arminianismo representados pelo acróstico FACTS:
  

  • Freed by Grace (to Believe) – Livre pela graça (para crer).
  • Atonement for All – Expiação para Todo.
  • Conditional Election – Eleição Condicional.
  • Total Depravity – Depravação Total.
  • Security in Christ – Segurança em Cristo.

Os pontos serão apresentados aqui em ordem lógica, em vez da ordem acima no acrônimo, para fins de facilitar sua explanação.

Depravação Total:
 

  • A humanidade fora criada à imagem de Deus, boa e direita, mas caiu de seu estado original sem pecado através de deliberada desobediência, deixando a humanidade em estado de pecado, separada de Deus, e debaixo da sentença de divina condenação.
  • Depravação total não significa que os seres humanos são tão maus quanto eles podem ser, mas que o pecado impacta cada parte do ser pessoal e que as pessoas agora têm uma natureza pecaminosa com uma inclinação natural para o pecado, fazendo cada ser humano ser fundamentalmente corrupto em seu coração.
  • Portanto, o ser humano não é capaz de pensar, ter vontade, nem fazer nada de bom em si mesmo, incluindo favor meritório para Deus, salvar-se a si mesmo do julgamento e condenação de Deus que fora reservada para vosso pecado, ou mesmo crer no Evangelho.
  • Se qualquer pessoa será salva, Deus deve tomar iniciativa.

Expiação para Todos:
 

  • Deus amou o mundo e deseja que todas as pessoas sejam salvas e venham ao conhecimento da verdade.
  • Portanto, Deus entregou Seu único Filho para morrer pelos pecados do mundo todo de modo a proporcionar perdão e salvação a todas as pessoas.
  • Enquanto Deus providenciou salvação para todas as pessoas pela morte substitutiva e sacrificial de Cristo para todos, os benefícios desta morte são recebidos pela graça mediante a fé e são eficazes apenas aos que creem.

Livre pela graça (para crer):
 

  • Devido a Depravação Total e a Expiação para Todos (como descrito acima), Deus chama a todas as pessoas em todos os lugares para se arrependerem e crerem no Evangelho, e graciosamente habilita àqueles que ouvem o Evangelho a responder positivamente em fé.
  • Deus regenera aqueles que creram em Cristo (Fé precede logicamente a regeneração).
  • A graça salvadora é resistível, o que significa que ele dispensa seu chamado, projeto, e graça capacitadora (que nos traria salvação se respondida com fé) de tal forma que possamos rejeitá-la. Aqueles que ouvem o Evangelho podem ou aceitá-lo pela graça ou rejeitá-lo para sua eterna destruição.
  • Além do âmbito de agradar ao Senhor e fazer o bem espiritual, as pessoas geralmente têm livre arbítrio, o que significa que, em relação a uma ação, eles podem ao menos realizar a ação ou negar-se a tal. Geralmente as pessoas têm escolhas genuínas e são, portanto, correspondentemente capazes de realizar escolhas.
  • Deus tem livre arbítrio supremo e absoluto. Sua escolha de sobrenaturalmente libertar a vontade de pecadores pela sua graça para crerem em Cristo é uma questão do exercício de sua própria soberania e livre arbítrio.

Eleição Condicional:

  • Deus soberanamente decidiu escolher apenas aqueles que teriam fé em Seu Filho Unigênito Jesus Cristo, para salvação e sua eterna bênção.
  • Deus pré-conheceu da eternidade aqueles indivíduos que creriam em Cristo.
  • Entre os arminianos, há duas visões diferentes sobre a eleição condicionada à fé:
  • Eleição Individual: A visão clássica na qual Deus individualmente escolheu cada crente baseado em Seu pré-conhecimento da fé de cada um e então predestinou cada um à vida eterna.
  • Eleição Corporativa: Eleição para salvação é primariamente para a Igreja como um povo e abraça indivíduos apenas numa união-em-fé com Cristo, O Escolhido, e como membros deste povo. Desde que a eleição individual deriva da eleição de Cristo e do povo corporativo de Deus, indivíduos tornam-se eleitos quando creem e continuam eleitos apenas enquanto crerem.

Segurança em Cristo:
 

  • Desde que a salvação vem mediante a fé em Cristo, a segurança da nossa salvação continua pela fé em Cristo.
  • Exatamente como o Santo Espírito nos capacita a crer em Cristo, igualmente Ele nos capacita a continuar crendo em Cristo.
  • Deus protege nosso relacionamento de fé com Ele de qualquer força que irresistivelmente nos arrebate de Cristo ou de nossa fé, e Ele nos preserva em salvação enquanto confiarmos em Cristo.
  • Arminianos têm visões diferentes sobre se a Escritura ensina que crentes podem abandonar a fé em Cristo e então perecer, ou se Deus irresistivelmente mantém os crentes de perderem sua fé e portanto entrar em eterna condenação (como descrentes).

Em síntese, o arminianismo se ergue como uma resposta profundamente pastoral e teologicamente consistente à rígida lógica determinista do calvinismo clássico, reafirmando a responsabilidade humana dentro do mistério da soberania divina. Ao valorizar a graça preveniente que liberta a vontade, a universalidade da expiação em Cristo, e a possibilidade real de escolha e perseverança na fé, essa corrente oferece uma visão mais dinâmica e relacional da salvação, em que o amor de Deus é dirigido a todos, e a resposta humana, embora frágil, é tornada possível por Sua própria iniciativa graciosa. Assim, o arminianismo preserva a justiça e a misericórdia de Deus sem comprometer a liberdade humana nem a eficácia da graça divina, convidando cada pessoa a uma caminhada contínua de fé e confiança no Cristo que salva.

Para refletir.

Diante da beleza do plano redentor revelado nas Escrituras e reafirmado pelo pensamento arminiano, somos levados a contemplar com gratidão o Deus que ama incondicionalmente e chama todos ao arrependimento. A salvação, oferecida em Cristo a toda a humanidade, não é imposta, mas gentilmente estendida a cada coração através da graça que liberta, convence e convida. Nesse caminho de fé, onde a liberdade humana encontra resposta no amor divino, somos lembrados de que nossa perseverança está segura não em nossa força, mas na fidelidade daquele que começou a boa obra em nós. Assim, o arminianismo não apenas afirma verdades doutrinárias, mas proclama com ternura um evangelho vivo, que convida todos a crer, amar e permanecer firmes em Cristo, o autor e consumador da nossa fé.