Molinismo e Arminianismo Clássico

Uma Análise Doutrinária e Filosófica da Soberania Divina e do Livre Arbítrio Libertário

Sumario do artigo
Acrônimos Chave (Importante)
SIGLASIGNIFICADODEFINIÇÃO
LFwLivre Arbítrio LibertárioConceito fundamental para Molinismo e Arminianismo que postula que o ser humano tem a capacidade genuína de escolher entre opções abertas (capacidade de ter feito o contrário da sua escolha final), sem que sua decisão seja causalmente determinada por Deus ou por causas externas.  
CLFsContrafactuais de Liberdade CriaturalProposições contrafactuais (do tipo “se… então…”) que expressam o que uma criatura livre faria em qualquer circunstância hipotética específica em que fosse colocada. Este é o conteúdo exato do Conhecimento Médio de Deus.  
GOObjeção do Fundamento (Grounding Objection)A principal crítica metafísica ao Molinismo. Questiona o que torna os Contrafactuais de Liberdade Criatural (CLFs) verdadeiros se eles são anteriores ao decreto criativo de Deus e à própria existência da criatura livre.
LWDDefesa do Livre Arbítrio (Free Will Defense)Uma defesa filosófica (popularizada por Alvin Plantinga) que usa o Molinismo para demonstrar a compatibilidade lógica entre a existência de um Deus bom e onipotente e a ocorrência do mal ou do sofrimento no mundo.  

Termos Conceituais Latinos no Molinismo
Termo em LatimTraduçãoDefinição no Molinismo
Scientia NaturalisConhecimento NaturalO conhecimento logicamente primeiro de Deus, que abrange todas as verdades necessárias e possíveis, como as leis da lógica, da matemática e as verdades morais – tudo que “pode ser”.  
Scientia MediaConhecimento MédioO estágio intermediário e crucial do conhecimento divino. É o conhecimento do que uma criatura livre faria em qualquer circunstância dada (o conteúdo dos CLFs). É a ferramenta que permite a Deus planejar um mundo com garantia de resultados sem abolir a liberdade.  
Scientia LiberaConhecimento LivreO conhecimento logicamente último de Deus. É o conhecimento sobre as coisas que Ele decidiu realmente criar – todas as coisas que “realmente são” no mundo atual. Este conhecimento é totalmente dependente do decreto criativo de Deus.  

Introdução Analítica: O Paradoxo Soberania-Liberdade e a Busca pela Consistência Lógica

A teologia cristã, ao longo dos séculos, confrontou-se repetidamente com o paradoxo fundamental da coexistência da soberania divina e do livre-arbítrio humano. Esse dilema não é novo, tendo suas raízes na controvérsia pelagiana do século V, onde Agostinho defendia a graça irresistível e a predestinação em oposição à superênfase de Pelágio na liberdade da vontade humana.

O problema central ressurgiu com vigor durante a Reforma e o período pós-Reforma, cristalizando-se na polarização entre o Calvinismo, que prioriza a predestinação incondicional e a soberania absoluta, e a reação teológica liderada por Jacobus Arminius, conhecida como Arminianismo.

Neste contexto de intenso debate, surge o Molinismo, uma doutrina desenvolvida pelo teólogo jesuíta espanhol Luís de Molina (1535-1600), que propõe uma sofisticada estrutura lógica e metafísica para harmonizar a onisciência determinista de Deus com a liberdade libertária genuína dos agentes humanos.

O Molinismo, muitas vezes percebido como uma “terceira via” entre o determinismo calvinista e a providência menos meticulosa do Arminianismo Clássico, opera primariamente como uma ferramenta lógica para prover um mecanismo explicativo (a Scientia Media) que permite a Deus exercer um controle providencial detalhado. Essa ferramenta busca assegurar que os decretos divinos sejam infalivelmente cumpridos, mesmo quando dependem de decisões contingentes e livres.

Ambas as correntes teológicas, Arminianismo e Molinismo, compartilham o princípio fundamental do Livre Arbítrio Libertário (LFw), que é a capacidade de um agente escolher entre opções genuinamente abertas, possuindo a capacidade de fazer o oposto de sua escolha final. No entanto, a forma como cada sistema conceitua a onisciência de Deus e a aplica à providência e à salvação cria distinções críticas que impactam diretamente a natureza da soberania divina.

O presente estudo visa desdobrar a arquitetura conceitual do Molinismo e contrastá-la com os pilares do Arminianismo Clássico, analisando as implicações soteriológicas e filosóficas de cada sistema.

Capítulo I: O Molinismo: A Arquitetura da Scientia Media e a Providência Meticulosa

O Molinismo é primariamente uma doutrina metafísica sobre a natureza da onisciência divina, formalizada por Luís de Molina em sua obra Concordia. A doutrina define que, quando a criatura realiza um ato livre, há um “concurso simultâneo de Deus” que, contudo, não anula a liberdade. A originalidade de Molina reside na introdução de um tipo de conhecimento divino intermediário que precede o decreto criativo.

Os Três Momentos Lógicos do Conhecimento Divino

Para o Molinismo, o conhecimento de Deus é logicamente sequencial, dividido em três momentos, embora não cronológicos:

1. Conhecimento Natural (Scientia Naturalis)

O Conhecimento Natural é logicamente o primeiro momento. Neste estágio, Deus conhece todas as verdades necessárias e possíveis, ou seja, todas as coisas que “podem ser”. Isso inclui todas as leis da lógica, as verdades morais, e todas as possíveis combinações de causas e efeitos. Este conhecimento é inerente à natureza de Deus e é, portanto, totalmente independente de Sua vontade e de qualquer decreto criativo.

2. Conhecimento Médio (Scientia Media)

O Conhecimento Médio constitui o pilar conceitual do Molinismo e é a chave para sua distinção filosófica. Este é o conhecimento de Deus do que uma criatura livre faria em qualquer conjunto de circunstâncias dadas. Esse conhecimento é expresso através dos Contrafactuais de Liberdade Criatural (CLFs). Um CLF é uma proposição contrafactual que afirma o que um agente livre escolheria, caso fosse colocado em uma situação hipotética específica, como em: “Se Pedro estivesse em Circunstância C, ele livremente escolheria A em vez de B”.

Crucialmente, o Conhecimento Médio é considerado, assim como o Conhecimento Natural, logicamente anterior e independente da vontade de Deus. Isso significa que os CLFs são verdades contingentes que Deus descobre, e não verdades que Ele decreta ou causa. A partir deste conhecimento, Deus seleciona o universo a ser criado.

3. Conhecimento Livre (Scientia Libera)

O Conhecimento Livre é o terceiro momento lógico, ocorrendo após o Comando Criativo de Deus. Este é o conhecimento que Deus tem sobre o mundo que Ele de fato decidiu criar – todas as coisas que “realmente são”. Diferentemente dos dois momentos anteriores, o Conhecimento Livre é inteiramente dependente da vontade de Deus e de Seus decretos. O conteúdo do Conhecimento Livre depende diretamente da escolha de Deus sobre qual conjunto de CLFs (e, consequentemente, qual mundo) Ele irá atualizar.

Molinismo e a Escolha de Mundos Viáveis (Providência Meticulosa)

O mecanismo do Conhecimento Médio permite ao Molinismo postular uma Providência Meticulosa sem violar o livre-arbítrio libertário. Deus não precisa causar a fé ou a rejeição; Ele apenas precisa saber, através dos CLFs, o que a criatura faria livremente em cada circunstância possível.

A providência divina é exercida, portanto, através da seleção de um mundo viável. Deus examina todos os mundos possíveis, sabendo exatamente quais escolhas livres seriam feitas em cada um, e escolhe criar o mundo que garante que as ações livres das criaturas se alinhem com Seus propósitos finais. Por exemplo, se Deus deseja que o rei Ciro liberte os judeus, Ele não precisa forçar Ciro a tomar essa decisão. Ele apenas escolhe colocar Ciro nas circunstâncias históricas e sociais que, segundo o Conhecimento Médio, levariam Ciro a decidir livremente pela libertação.

A onisciência, no Molinismo, não é meramente um atributo de observação, como na Presciência Pura (que será vista no Arminianismo), mas sim uma ferramenta de planejamento causal. O fato de Deus conhecer os contrafactuais de liberdade confere-lhe um controle soberano muito mais apertado sobre o destino final do que o Arminianismo Clássico pode reivindicar, pois Deus não está apenas reagindo ao futuro; Ele está projetando o futuro ao selecionar o conjunto ideal de circunstâncias.

Capítulo II: O Arminianismo Clássico: Presciência Pura e a Graça Resistível

O Arminianismo Clássico, fundamentado nas ideias de Jacobus Arminius (1560-1609) e formalizado nos Cinco Pontos da Remonstrância (1610), surgiu como uma reação direta ao determinismo teológico extremo do Calvinismo. Diferentemente de algumas percepções errôneas, o Arminianismo de Armínio e Wesley não nega a Depravação Total ou o Pecado Original, mas afirma que o homem caído é incapaz de buscar a Deus por conta própria.

A Doutrina da Graça Preveniente (Graça Resistível)

Para que o homem, que se encontra em estado de Depravação Total, possa exercer seu livre-arbítrio libertário em relação à salvação, o Arminianismo introduz a doutrina da Graça Preveniente.

A Graça Preveniente, também chamada Graça Resistível, é uma graça universal concedida a todos os homens por meio de Cristo. Seu propósito é primordialmente restaurar o arbítrio humano. Sem essa graça capacitadora, o homem estaria em estado de “arbítrio escravizado” e incapaz de responder à oferta de salvação. A graça preveniente ilumina, convence e capacita o pecador, transformando o “livre-arbítrio” em “arbítrio liberto”.

A universalidade desta graça decorre do desejo divino de que todos os homens se salvem (conforme 1 Timóteo 2:4 e 2 Pedro 3:9). Contudo, uma característica essencial é a sua resistibilidade. O Arminianismo afirma que a graça não é uma força irresistível. O ser humano mantém a capacidade de resistir à Graça Preveniente (Atos 7:51), pois uma graça irresistível violaria o caráter pessoal e voluntário da relação entre Deus e o homem. Isso implica que a eficácia da salvação reside na resposta contingente do homem à graça oferecida.

Eleição Condicional e a Presciência Pura

O Arminianismo Clássico defende a Eleição Condicional. O primeiro ponto da Remonstrância postula que a eleição é baseada na presciência de Deus. Armínio define eleição como “o decreto de Deus pelo qual, de Si mesmo, desde a eternidade, decretou justificar em Cristo, os crentes, e aceitá-los para a vida eterna”.

O Arminianismo emprega o conceito de Presciência Pura (Simple Foreknowledge). A onisciência divina, neste contexto, é o conhecimento direto e absoluto de todas as verdades futuras e contingentes, incluindo o que a criatura irá fazer livremente. Essa presciência é observacional: Deus sabe o que acontecerá, mas esse conhecimento não é, em si mesmo, a causa do evento. A determinação de Deus é que todos os que creem em Jesus serão salvos, sendo a fé a condição humana para ser “enxertado nele”.

A eleição, portanto, é a escolha de Deus baseada no conhecimento prévio da fé e perseverança do indivíduo. Isso leva à compreensão de que o decreto divino em relação ao indivíduo é uma ratificação da escolha humana já conhecida por Deus, e não uma determinação causal do destino. Embora isso preserve a liberdade humana e a responsabilidade, levanta questões sobre o quão ativo e decisivo é o decreto eletivo divino em relação ao indivíduo, além de ratificar um evento futuro.

Capítulo III: Análise Comparativa Doutrinária: Presciência vs. Presciência Contrafactual

Arminianismo e Molinismo são frequentemente agrupados devido ao seu firme compromisso com o Livre Arbítrio Libertário (LFw) e a Expiação Universal (Cristo morreu por todos). Ambos buscam o sinergismo na salvação – que Deus e o indivíduo desempenham papéis no processo. Contudo, a diferença crucial reside na natureza da onisciência e no consequente mecanismo de providência.

O Ponto Crítico de Divergência: A Natureza e o Poder da Presciência

A distinção fundamental é se o conhecimento de Deus se limita ao que será (Presciência Pura) ou se estende ao que iria ser sob condições não realizadas (Conhecimento Médio e CLFs).

No Arminianismo Clássico, a soberania é manifestada na criação do plano de salvação universal e na distribuição da Graça Preveniente, mas o resultado individual (salvação ou condenação) é contingente e dependente da resposta resistível do homem. Embora Deus conheça o futuro, Ele é, em certo sentido, cerceado pelas decisões do homem livre.

Em contraste, o Molinismo oferece um mecanismo para que Deus mantenha o controle providencial minucioso sem abolir a liberdade. A soberania é exercida na seleção do mundo viável. Deus não causa a escolha (que é livre), mas Ele causa as circunstâncias (o contexto) onde Ele sabe que a escolha livre alinhada com Seus propósitos ocorrerá.

Implicações Soteriológicas e a Agência Causal

A diferença na natureza da presciência se traduz em implicações soteriológicas profundas:

  1. Eficácia da Salvação e Eleição:
  • No Arminianismo, a eleição é uma ratificação da fé prevista. A fé é vista como a condição que, pela graça capacitadora, o homem realiza e que Deus aceita. O foco está no decreto de salvar o tipo de pessoa (o crente).
  • No Molinismo, a eficácia da salvação é uma função do planejamento ótimo de Deus. Deus, sabendo que um indivíduo livre (X) creria nas circunstâncias C, escolhe criar C. A eleição é a escolha do mundo onde o indivíduo livremente fará a escolha alinhada com o propósito divino.
  1. A Transferência da Causalidade: O Molinismo resolve o paradoxo Soberania-Liberdade transferindo a causalidade direta da decisão (que permanece livre no agente) para o contexto (que é soberanamente determinado por Deus). Essa transferência permite ao Molinista afirmar uma soberania garantida—o plano de Deus não será frustrado—porque Ele escolheu o mundo certo, sabendo todos os resultados livres que ocorreriam.

Essa arquitetura confere ao Molinismo uma robustez filosófica maior na defesa de uma Providência Meticulosa. O Arminianismo Clássico aceita que Deus, desejando que todos se salvem (1 Timóteo 2:4) , pode ter sua vontade frustrada pela resistência humana à Graça Resistível. O Molinismo, embora mantenha que a vontade antecedente de Deus é salvar a todos, pode explicar a não salvação de alguns, dizendo que Deus escolheu o melhor mundo viável para o bem geral, mesmo que isso implicasse a condenação livre de alguns, cujos CLFs eram desfavoráveis.

Capítulo IV: O Molinismo na Filosofia Analítica e Suas Críticas Centrais

O Molinismo transcende a mera soteriologia; ele se estabelece como uma doutrina metafísica essencial na filosofia da religião contemporânea.

O Molinismo como Ferramenta Filosófica (A Defesa do Livre Arbítrio)

O uso mais proeminente do Molinismo na filosofia analítica é na Defesa do Livre Arbítrio (Free Will Defense – LWD), popularizada por Alvin Plantinga. A LWD utiliza a Scientia Media para demonstrar a compatibilidade lógica entre a existência de um Deus bom e onipotente e a ocorrência do mal. O Molinismo sugere que Deus pode ter escolhido o melhor mundo viável, mesmo que este mundo contenha o mal moral, se a criação de um mundo sem mal (ou com menos mal) exigisse a violação do livre-arbítrio das criaturas.

É vital notar que o Molinismo, neste contexto, funciona como uma defesa e não uma teodiceia. Uma teodiceia tenta justificar por que Deus permite o mal, enquanto uma defesa, como o Molinismo, é muito mais modesta: ela apenas tenta demonstrar que é logicamente consistente crer que um Deus bom e soberano pode ter o propósito de criar um mundo como o nosso, dado que as escolhas livres estão fora do controle causal direto de Deus, mas são conhecidas por Ele.

O Problema Soteriológico do Mal

William Lane Craig aplicou o Molinismo especificamente ao Problema Soteriológico do Mal (também conhecido como “O Problema do Memorando”): a dificuldade de conciliar a bondade de Deus com o fato de milhões de pessoas nunca terem ouvido o Evangelho e, consequentemente, se perderem.

A Hipótese Molinista de Craig utiliza o Conhecimento Médio para resolver essa aparente injustiça. Deus, através dos CLFs, sabia antes de criar o mundo que as pessoas não-alcançadas teriam rejeitado o Evangelho mesmo se o tivessem ouvido. Portanto, Deus, sendo misericordioso, garante providencialmente que qualquer pessoa que aceitaria livremente o Evangelho não é colocada em circunstâncias onde não conseguiria ouvi-lo. Apenas no caso de indivíduos que rejeitariam em qualquer circunstância (ou, pelo menos, nas circunstâncias viáveis), Deus permite que sejam colocados em locais onde não ouvirão o Evangelho, pois isso não afetaria seu destino final.

A Crítica Fundamental: A Objeção do Fundamento (Grounding Objection)

O obstáculo filosófico mais significativo ao Molinismo é a Objeção do Fundamento (Grounding Objection – GO).

O problema filosófico reside na metafísica da verdade: Se os Contrafactuais de Liberdade Criatural (CLFs) são logicamente anteriores ao decreto criativo de Deus e logicamente anteriores à própria existência da criatura livre, o que torna esses CLFs verdadeiros? O que é o truth-maker (o fundamento) que torna a proposição verdadeira, se nem Deus a decreta (pois isso violaria a liberdade) nem a criatura existe para fazê-la verdadeira?.

Se não houver fundamento para a verdade dos CLFs, o Conhecimento Médio é considerado logicamente vazio ou ininteligível, o que desmantela a capacidade de Deus de selecionar mundos viáveis com base em verdades contingentes.

Defesas Molinistas e a Metafísica da Verdade

Defensores do Molinismo, como William Lane Craig e Alvin Plantinga, frequentemente respondem desafiando a premissa de que toda proposição contingente precisa de um fundamento em fatos existentes. Plantinga sugere que é mais evidente que alguns CLFs são pelo menos possivelmente verdadeiros do que a necessidade de que sua verdade seja fundamentada dessa maneira.

Os Molinistas argumentam que os CLFs são verdades modais básicas que existem, em um sentido atemporal, assim como as verdades matemáticas e lógicas (Conhecimento Natural). Deus não cria essas verdades, mas as descobre. A LWD exige apenas que a hipótese molinista seja logicamente possível para mostrar a compatibilidade entre Deus e o mal, independentemente da plausibilidade ou da resolução total da GO.

Capítulo V: Distinções Finais e Limitações Sistêmicas

A análise comparativa revela que Arminianismo Clássico e Molinismo representam estratégias distintas para lidar com a soberania e a liberdade. Enquanto o Arminianismo enfatiza a resistência humana e a presciência pura, o Molinismo introduz um mecanismo sofisticado de controle providencial através do conhecimento contrafactual.

A Eficácia da Providência e o Risco de Frustração Divina

A principal distinção operacional reside na garantia da providência:

  • Arminianismo: Opera com um sistema onde o desejo divino (vontade antecedente) de salvar a todos está sujeito ao risco de frustração, dado que a Graça Preveniente é resistível, e Deus é, em certo sentido, cerceado pelas decisões do homem. O plano geral de Deus é conhecido, mas os resultados individuais (além da ratificação da fé prevista) exigem que Deus reaja ao futuro contingente conhecido.
  • Molinismo: Deus é o designer mestre que, ao selecionar o mundo viável, elimina o risco de frustração do Seu plano soberano final (vontade consequente). O Molinismo oferece uma maior garantia de que “o plano de Deus não será frustrado” sem recorrer a uma graça irresistível (calvinista) ou ao determinismo.

O Conceito de Eleição

O mecanismo de onisciência define o caráter da eleição:

  • Arminianismo: Eleição baseada na presciência da fé (Ratificação). O foco da presciência é o evento da fé futura.
  • Molinismo: Eleição baseada no conhecimento de todos os caminhos possíveis para a fé (Planejamento Ótimo). O foco da presciência são os contrafactuais de liberdade. O eleito é a pessoa colocada no mundo (circunstâncias) que garante sua fé livre, alinhando a liberdade com o decreto.

Limitações e Desafios (Síntese)

Embora o Molinismo ofereça uma solução mais meticulosa para a soberania, ele introduz desafios metafísicos complexos. O Arminianismo Clássico, embora soteriologicamente mais simples, enfrenta dificuldades teológicas em justificar a onipotência diante da resistência universal.

O Molinismo, com a introdução dos CLFs e a escolha de mundos viáveis, transforma o problema da teodiceia. Ele sugere que, se Deus não criou um mundo de salvação universal, é porque tal mundo não era viável para Ele, devido às verdades contrafactuais de liberdade (CLFs) que limitavam Suas opções criativas. Deus é confrontado pelos contrafactuais de liberdade da criatura, e Ele tem que operar dentro dessas limitações metafísicas para alcançar o “ótimo equilíbrio” de salvos e perdidos. O Arminianismo não precisa dessa complexidade; a rejeição é vista como uma simples resistência à graça capacitadora.

Conclusão: Síntese Doutrinária e Implicações para a Teologia Contemporânea

O estudo rigoroso do Molinismo e sua distinção do Arminianismo Clássico revela que, embora ambos compartilhem uma defesa intransigente do Livre Arbítrio Libertário (LFw), eles divergem crucialmente na definição da onisciência divina e seu papel na providência.

O Arminianismo Clássico, ao empregar a Presciência Pura, oferece a perspectiva mais direta e transparente para a soteriologia da graça resistível. Neste sistema, a eleição é a ratificação por Deus da fé prevista do homem, mantendo a graça capacitadora (Graça Preveniente) universal, pessoal e totalmente resistível. Essa abordagem não apenas preserva a responsabilidade humana sem o artifício de mecanismos lógicos complexos, mas também enfatiza o caráter voluntário e relacional da salvação, onde o decreto divino (Eleição Condicional) é uma resposta soberana à fé genuína e livremente exercida.  

Em contrapartida, o Molinismo, embora ofereça uma ferramenta logicamente sofisticada para conciliar a liberdade com uma providência minuciosa (a Scientia Media e os CLFs), introduz uma pesada carga metafísica. Sua distinção fundamental reside no fato de Deus saber o que o homem iria fazer em qualquer cenário hipotético, permitindo um planejamento ativo dos ambientes criados. No entanto, é precisamente a inteligibilidade desse Conhecimento Médio que gera o seu maior obstáculo: a Objeção do Fundamento (GO) . A ausência de um fundamento claro para a verdade dos CLFs, logicamente anteriores ao decreto criativo, desafia a própria sustentabilidade filosófica do Molinismo.  

A simplicidade bíblica do Arminianismo, onde Deus sabe o que será (Presciência Pura), não requer o compromisso com mecanismos filosóficos que correm o risco de serem ininteligíveis. Enquanto o Molinismo busca uma soberania garantida através da seleção de mundos viáveis, o Arminianismo aceita a soberania que se manifesta na capacitação universal e na condição de fé, valorizando a liberdade real do agente, mesmo que isso implique no risco da frustração da Sua vontade antecedente em salvar a todos.  

Portanto, para a teologia arminiana, o modelo da Presciência Pura é teologicamente superior, pois harmoniza o amor universal de Deus, a liberdade humana e a Eleição Condicional, sem recorrer a verdades contrafactuais que carecem de fundamento metafísico . O Molinismo, embora complexo e fascinante, permanece vulnerável a críticas que atacam sua arquitetura essencial, um nível de fragilidade que o Arminianismo Clássico, focado na primazia da Graça Resistível, não enfrenta.

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