Uma Análise Doutrinária e Filosófica da Soberania Divina e do Livre Arbítrio Libertário
Sumario do artigo
- Introdução.
- Capítulo I: O Molinismo: A Arquitetura da Scientia Media e a Providência Meticulosa.
- Capítulo II: O Arminianismo Clássico: Presciência Pura e a Graça Resistível.
- Capítulo III: Análise Comparativa Doutrinária: Presciência vs. Presciência Contrafactual.
- Capítulo IV: O Molinismo na Filosofia Analítica e Suas Críticas Centrais.
- Capítulo V: Distinções Finais e Limitações Sistêmicas.
- Conclusão.
Acrônimos Chave (Importante)
| SIGLA | SIGNIFICADO | DEFINIÇÃO |
|---|---|---|
| LFw | Livre Arbítrio Libertário | Conceito fundamental para Molinismo e Arminianismo que postula que o ser humano tem a capacidade genuína de escolher entre opções abertas (capacidade de ter feito o contrário da sua escolha final), sem que sua decisão seja causalmente determinada por Deus ou por causas externas. |
| CLFs | Contrafactuais de Liberdade Criatural | Proposições contrafactuais (do tipo “se… então…”) que expressam o que uma criatura livre faria em qualquer circunstância hipotética específica em que fosse colocada. Este é o conteúdo exato do Conhecimento Médio de Deus. |
| GO | Objeção do Fundamento (Grounding Objection) | A principal crítica metafísica ao Molinismo. Questiona o que torna os Contrafactuais de Liberdade Criatural (CLFs) verdadeiros se eles são anteriores ao decreto criativo de Deus e à própria existência da criatura livre. |
| LWD | Defesa do Livre Arbítrio (Free Will Defense) | Uma defesa filosófica (popularizada por Alvin Plantinga) que usa o Molinismo para demonstrar a compatibilidade lógica entre a existência de um Deus bom e onipotente e a ocorrência do mal ou do sofrimento no mundo. |
Termos Conceituais Latinos no Molinismo
| Termo em Latim | Tradução | Definição no Molinismo |
|---|---|---|
| Scientia Naturalis | Conhecimento Natural | O conhecimento logicamente primeiro de Deus, que abrange todas as verdades necessárias e possíveis, como as leis da lógica, da matemática e as verdades morais – tudo que “pode ser”. |
| Scientia Media | Conhecimento Médio | O estágio intermediário e crucial do conhecimento divino. É o conhecimento do que uma criatura livre faria em qualquer circunstância dada (o conteúdo dos CLFs). É a ferramenta que permite a Deus planejar um mundo com garantia de resultados sem abolir a liberdade. |
| Scientia Libera | Conhecimento Livre | O conhecimento logicamente último de Deus. É o conhecimento sobre as coisas que Ele decidiu realmente criar – todas as coisas que “realmente são” no mundo atual. Este conhecimento é totalmente dependente do decreto criativo de Deus. |
Introdução Analítica: O Paradoxo Soberania-Liberdade e a Busca pela Consistência Lógica
A teologia cristã, ao longo dos séculos, confrontou-se repetidamente com o paradoxo fundamental da coexistência da soberania divina e do livre-arbítrio humano. Esse dilema não é novo, tendo suas raízes na controvérsia pelagiana do século V, onde Agostinho defendia a graça irresistível e a predestinação em oposição à superênfase de Pelágio na liberdade da vontade humana.
O problema central ressurgiu com vigor durante a Reforma e o período pós-Reforma, cristalizando-se na polarização entre o Calvinismo, que prioriza a predestinação incondicional e a soberania absoluta, e a reação teológica liderada por Jacobus Arminius, conhecida como Arminianismo.
Neste contexto de intenso debate, surge o Molinismo, uma doutrina desenvolvida pelo teólogo jesuíta espanhol Luís de Molina (1535-1600), que propõe uma sofisticada estrutura lógica e metafísica para harmonizar a onisciência determinista de Deus com a liberdade libertária genuína dos agentes humanos.
O Molinismo, muitas vezes percebido como uma “terceira via” entre o determinismo calvinista e a providência menos meticulosa do Arminianismo Clássico, opera primariamente como uma ferramenta lógica para prover um mecanismo explicativo (a Scientia Media) que permite a Deus exercer um controle providencial detalhado. Essa ferramenta busca assegurar que os decretos divinos sejam infalivelmente cumpridos, mesmo quando dependem de decisões contingentes e livres.
Ambas as correntes teológicas, Arminianismo e Molinismo, compartilham o princípio fundamental do Livre Arbítrio Libertário (LFw), que é a capacidade de um agente escolher entre opções genuinamente abertas, possuindo a capacidade de fazer o oposto de sua escolha final. No entanto, a forma como cada sistema conceitua a onisciência de Deus e a aplica à providência e à salvação cria distinções críticas que impactam diretamente a natureza da soberania divina.
O presente estudo visa desdobrar a arquitetura conceitual do Molinismo e contrastá-la com os pilares do Arminianismo Clássico, analisando as implicações soteriológicas e filosóficas de cada sistema.
Capítulo I: O Molinismo: A Arquitetura da Scientia Media e a Providência Meticulosa
O Molinismo é primariamente uma doutrina metafísica sobre a natureza da onisciência divina, formalizada por Luís de Molina em sua obra Concordia. A doutrina define que, quando a criatura realiza um ato livre, há um “concurso simultâneo de Deus” que, contudo, não anula a liberdade. A originalidade de Molina reside na introdução de um tipo de conhecimento divino intermediário que precede o decreto criativo.
Os Três Momentos Lógicos do Conhecimento Divino
Para o Molinismo, o conhecimento de Deus é logicamente sequencial, dividido em três momentos, embora não cronológicos:
1. Conhecimento Natural (Scientia Naturalis)
O Conhecimento Natural é logicamente o primeiro momento. Neste estágio, Deus conhece todas as verdades necessárias e possíveis, ou seja, todas as coisas que “podem ser”. Isso inclui todas as leis da lógica, as verdades morais, e todas as possíveis combinações de causas e efeitos. Este conhecimento é inerente à natureza de Deus e é, portanto, totalmente independente de Sua vontade e de qualquer decreto criativo.
2. Conhecimento Médio (Scientia Media)
O Conhecimento Médio constitui o pilar conceitual do Molinismo e é a chave para sua distinção filosófica. Este é o conhecimento de Deus do que uma criatura livre faria em qualquer conjunto de circunstâncias dadas. Esse conhecimento é expresso através dos Contrafactuais de Liberdade Criatural (CLFs). Um CLF é uma proposição contrafactual que afirma o que um agente livre escolheria, caso fosse colocado em uma situação hipotética específica, como em: “Se Pedro estivesse em Circunstância C, ele livremente escolheria A em vez de B”.
Crucialmente, o Conhecimento Médio é considerado, assim como o Conhecimento Natural, logicamente anterior e independente da vontade de Deus. Isso significa que os CLFs são verdades contingentes que Deus descobre, e não verdades que Ele decreta ou causa. A partir deste conhecimento, Deus seleciona o universo a ser criado.
3. Conhecimento Livre (Scientia Libera)
O Conhecimento Livre é o terceiro momento lógico, ocorrendo após o Comando Criativo de Deus. Este é o conhecimento que Deus tem sobre o mundo que Ele de fato decidiu criar – todas as coisas que “realmente são”. Diferentemente dos dois momentos anteriores, o Conhecimento Livre é inteiramente dependente da vontade de Deus e de Seus decretos. O conteúdo do Conhecimento Livre depende diretamente da escolha de Deus sobre qual conjunto de CLFs (e, consequentemente, qual mundo) Ele irá atualizar.
Molinismo e a Escolha de Mundos Viáveis (Providência Meticulosa)
O mecanismo do Conhecimento Médio permite ao Molinismo postular uma Providência Meticulosa sem violar o livre-arbítrio libertário. Deus não precisa causar a fé ou a rejeição; Ele apenas precisa saber, através dos CLFs, o que a criatura faria livremente em cada circunstância possível.
A providência divina é exercida, portanto, através da seleção de um mundo viável. Deus examina todos os mundos possíveis, sabendo exatamente quais escolhas livres seriam feitas em cada um, e escolhe criar o mundo que garante que as ações livres das criaturas se alinhem com Seus propósitos finais. Por exemplo, se Deus deseja que o rei Ciro liberte os judeus, Ele não precisa forçar Ciro a tomar essa decisão. Ele apenas escolhe colocar Ciro nas circunstâncias históricas e sociais que, segundo o Conhecimento Médio, levariam Ciro a decidir livremente pela libertação.
A onisciência, no Molinismo, não é meramente um atributo de observação, como na Presciência Pura (que será vista no Arminianismo), mas sim uma ferramenta de planejamento causal. O fato de Deus conhecer os contrafactuais de liberdade confere-lhe um controle soberano muito mais apertado sobre o destino final do que o Arminianismo Clássico pode reivindicar, pois Deus não está apenas reagindo ao futuro; Ele está projetando o futuro ao selecionar o conjunto ideal de circunstâncias.
Capítulo II: O Arminianismo Clássico: Presciência Pura e a Graça Resistível
O Arminianismo Clássico, fundamentado nas ideias de Jacobus Arminius (1560-1609) e formalizado nos Cinco Pontos da Remonstrância (1610), surgiu como uma reação direta ao determinismo teológico extremo do Calvinismo. Diferentemente de algumas percepções errôneas, o Arminianismo de Armínio e Wesley não nega a Depravação Total ou o Pecado Original, mas afirma que o homem caído é incapaz de buscar a Deus por conta própria.
A Doutrina da Graça Preveniente (Graça Resistível)
Para que o homem, que se encontra em estado de Depravação Total, possa exercer seu livre-arbítrio libertário em relação à salvação, o Arminianismo introduz a doutrina da Graça Preveniente.
A Graça Preveniente, também chamada Graça Resistível, é uma graça universal concedida a todos os homens por meio de Cristo. Seu propósito é primordialmente restaurar o arbítrio humano. Sem essa graça capacitadora, o homem estaria em estado de “arbítrio escravizado” e incapaz de responder à oferta de salvação. A graça preveniente ilumina, convence e capacita o pecador, transformando o “livre-arbítrio” em “arbítrio liberto”.
A universalidade desta graça decorre do desejo divino de que todos os homens se salvem (conforme 1 Timóteo 2:4 e 2 Pedro 3:9). Contudo, uma característica essencial é a sua resistibilidade. O Arminianismo afirma que a graça não é uma força irresistível. O ser humano mantém a capacidade de resistir à Graça Preveniente (Atos 7:51), pois uma graça irresistível violaria o caráter pessoal e voluntário da relação entre Deus e o homem. Isso implica que a eficácia da salvação reside na resposta contingente do homem à graça oferecida.
Eleição Condicional e a Presciência Pura
O Arminianismo Clássico defende a Eleição Condicional. O primeiro ponto da Remonstrância postula que a eleição é baseada na presciência de Deus. Armínio define eleição como “o decreto de Deus pelo qual, de Si mesmo, desde a eternidade, decretou justificar em Cristo, os crentes, e aceitá-los para a vida eterna”.
O Arminianismo emprega o conceito de Presciência Pura (Simple Foreknowledge). A onisciência divina, neste contexto, é o conhecimento direto e absoluto de todas as verdades futuras e contingentes, incluindo o que a criatura irá fazer livremente. Essa presciência é observacional: Deus sabe o que acontecerá, mas esse conhecimento não é, em si mesmo, a causa do evento. A determinação de Deus é que todos os que creem em Jesus serão salvos, sendo a fé a condição humana para ser “enxertado nele”.
A eleição, portanto, é a escolha de Deus baseada no conhecimento prévio da fé e perseverança do indivíduo. Isso leva à compreensão de que o decreto divino em relação ao indivíduo é uma ratificação da escolha humana já conhecida por Deus, e não uma determinação causal do destino. Embora isso preserve a liberdade humana e a responsabilidade, levanta questões sobre o quão ativo e decisivo é o decreto eletivo divino em relação ao indivíduo, além de ratificar um evento futuro.
Capítulo III: Análise Comparativa Doutrinária: Presciência vs. Presciência Contrafactual
Arminianismo e Molinismo são frequentemente agrupados devido ao seu firme compromisso com o Livre Arbítrio Libertário (LFw) e a Expiação Universal (Cristo morreu por todos). Ambos buscam o sinergismo na salvação – que Deus e o indivíduo desempenham papéis no processo. Contudo, a diferença crucial reside na natureza da onisciência e no consequente mecanismo de providência.
O Ponto Crítico de Divergência: A Natureza e o Poder da Presciência
A distinção fundamental é se o conhecimento de Deus se limita ao que será (Presciência Pura) ou se estende ao que iria ser sob condições não realizadas (Conhecimento Médio e CLFs).
No Arminianismo Clássico, a soberania é manifestada na criação do plano de salvação universal e na distribuição da Graça Preveniente, mas o resultado individual (salvação ou condenação) é contingente e dependente da resposta resistível do homem. Embora Deus conheça o futuro, Ele é, em certo sentido, cerceado pelas decisões do homem livre.
Em contraste, o Molinismo oferece um mecanismo para que Deus mantenha o controle providencial minucioso sem abolir a liberdade. A soberania é exercida na seleção do mundo viável. Deus não causa a escolha (que é livre), mas Ele causa as circunstâncias (o contexto) onde Ele sabe que a escolha livre alinhada com Seus propósitos ocorrerá.
Implicações Soteriológicas e a Agência Causal
A diferença na natureza da presciência se traduz em implicações soteriológicas profundas:
- Eficácia da Salvação e Eleição:
- No Arminianismo, a eleição é uma ratificação da fé prevista. A fé é vista como a condição que, pela graça capacitadora, o homem realiza e que Deus aceita. O foco está no decreto de salvar o tipo de pessoa (o crente).
- No Molinismo, a eficácia da salvação é uma função do planejamento ótimo de Deus. Deus, sabendo que um indivíduo livre (X) creria nas circunstâncias C, escolhe criar C. A eleição é a escolha do mundo onde o indivíduo livremente fará a escolha alinhada com o propósito divino.
- A Transferência da Causalidade: O Molinismo resolve o paradoxo Soberania-Liberdade transferindo a causalidade direta da decisão (que permanece livre no agente) para o contexto (que é soberanamente determinado por Deus). Essa transferência permite ao Molinista afirmar uma soberania garantida—o plano de Deus não será frustrado—porque Ele escolheu o mundo certo, sabendo todos os resultados livres que ocorreriam.
Essa arquitetura confere ao Molinismo uma robustez filosófica maior na defesa de uma Providência Meticulosa. O Arminianismo Clássico aceita que Deus, desejando que todos se salvem (1 Timóteo 2:4) , pode ter sua vontade frustrada pela resistência humana à Graça Resistível. O Molinismo, embora mantenha que a vontade antecedente de Deus é salvar a todos, pode explicar a não salvação de alguns, dizendo que Deus escolheu o melhor mundo viável para o bem geral, mesmo que isso implicasse a condenação livre de alguns, cujos CLFs eram desfavoráveis.
Capítulo IV: O Molinismo na Filosofia Analítica e Suas Críticas Centrais
O Molinismo transcende a mera soteriologia; ele se estabelece como uma doutrina metafísica essencial na filosofia da religião contemporânea.
O Molinismo como Ferramenta Filosófica (A Defesa do Livre Arbítrio)
O uso mais proeminente do Molinismo na filosofia analítica é na Defesa do Livre Arbítrio (Free Will Defense – LWD), popularizada por Alvin Plantinga. A LWD utiliza a Scientia Media para demonstrar a compatibilidade lógica entre a existência de um Deus bom e onipotente e a ocorrência do mal. O Molinismo sugere que Deus pode ter escolhido o melhor mundo viável, mesmo que este mundo contenha o mal moral, se a criação de um mundo sem mal (ou com menos mal) exigisse a violação do livre-arbítrio das criaturas.
É vital notar que o Molinismo, neste contexto, funciona como uma defesa e não uma teodiceia. Uma teodiceia tenta justificar por que Deus permite o mal, enquanto uma defesa, como o Molinismo, é muito mais modesta: ela apenas tenta demonstrar que é logicamente consistente crer que um Deus bom e soberano pode ter o propósito de criar um mundo como o nosso, dado que as escolhas livres estão fora do controle causal direto de Deus, mas são conhecidas por Ele.
O Problema Soteriológico do Mal
William Lane Craig aplicou o Molinismo especificamente ao Problema Soteriológico do Mal (também conhecido como “O Problema do Memorando”): a dificuldade de conciliar a bondade de Deus com o fato de milhões de pessoas nunca terem ouvido o Evangelho e, consequentemente, se perderem.
A Hipótese Molinista de Craig utiliza o Conhecimento Médio para resolver essa aparente injustiça. Deus, através dos CLFs, sabia antes de criar o mundo que as pessoas não-alcançadas teriam rejeitado o Evangelho mesmo se o tivessem ouvido. Portanto, Deus, sendo misericordioso, garante providencialmente que qualquer pessoa que aceitaria livremente o Evangelho não é colocada em circunstâncias onde não conseguiria ouvi-lo. Apenas no caso de indivíduos que rejeitariam em qualquer circunstância (ou, pelo menos, nas circunstâncias viáveis), Deus permite que sejam colocados em locais onde não ouvirão o Evangelho, pois isso não afetaria seu destino final.
A Crítica Fundamental: A Objeção do Fundamento (Grounding Objection)
O obstáculo filosófico mais significativo ao Molinismo é a Objeção do Fundamento (Grounding Objection – GO).
O problema filosófico reside na metafísica da verdade: Se os Contrafactuais de Liberdade Criatural (CLFs) são logicamente anteriores ao decreto criativo de Deus e logicamente anteriores à própria existência da criatura livre, o que torna esses CLFs verdadeiros? O que é o truth-maker (o fundamento) que torna a proposição verdadeira, se nem Deus a decreta (pois isso violaria a liberdade) nem a criatura existe para fazê-la verdadeira?.
Se não houver fundamento para a verdade dos CLFs, o Conhecimento Médio é considerado logicamente vazio ou ininteligível, o que desmantela a capacidade de Deus de selecionar mundos viáveis com base em verdades contingentes.
Defesas Molinistas e a Metafísica da Verdade
Defensores do Molinismo, como William Lane Craig e Alvin Plantinga, frequentemente respondem desafiando a premissa de que toda proposição contingente precisa de um fundamento em fatos existentes. Plantinga sugere que é mais evidente que alguns CLFs são pelo menos possivelmente verdadeiros do que a necessidade de que sua verdade seja fundamentada dessa maneira.
Os Molinistas argumentam que os CLFs são verdades modais básicas que existem, em um sentido atemporal, assim como as verdades matemáticas e lógicas (Conhecimento Natural). Deus não cria essas verdades, mas as descobre. A LWD exige apenas que a hipótese molinista seja logicamente possível para mostrar a compatibilidade entre Deus e o mal, independentemente da plausibilidade ou da resolução total da GO.
Capítulo V: Distinções Finais e Limitações Sistêmicas
A análise comparativa revela que Arminianismo Clássico e Molinismo representam estratégias distintas para lidar com a soberania e a liberdade. Enquanto o Arminianismo enfatiza a resistência humana e a presciência pura, o Molinismo introduz um mecanismo sofisticado de controle providencial através do conhecimento contrafactual.
A Eficácia da Providência e o Risco de Frustração Divina
A principal distinção operacional reside na garantia da providência:
- Arminianismo: Opera com um sistema onde o desejo divino (vontade antecedente) de salvar a todos está sujeito ao risco de frustração, dado que a Graça Preveniente é resistível, e Deus é, em certo sentido, cerceado pelas decisões do homem. O plano geral de Deus é conhecido, mas os resultados individuais (além da ratificação da fé prevista) exigem que Deus reaja ao futuro contingente conhecido.
- Molinismo: Deus é o designer mestre que, ao selecionar o mundo viável, elimina o risco de frustração do Seu plano soberano final (vontade consequente). O Molinismo oferece uma maior garantia de que “o plano de Deus não será frustrado” sem recorrer a uma graça irresistível (calvinista) ou ao determinismo.
O Conceito de Eleição
O mecanismo de onisciência define o caráter da eleição:
- Arminianismo: Eleição baseada na presciência da fé (Ratificação). O foco da presciência é o evento da fé futura.
- Molinismo: Eleição baseada no conhecimento de todos os caminhos possíveis para a fé (Planejamento Ótimo). O foco da presciência são os contrafactuais de liberdade. O eleito é a pessoa colocada no mundo (circunstâncias) que garante sua fé livre, alinhando a liberdade com o decreto.
Limitações e Desafios (Síntese)
Embora o Molinismo ofereça uma solução mais meticulosa para a soberania, ele introduz desafios metafísicos complexos. O Arminianismo Clássico, embora soteriologicamente mais simples, enfrenta dificuldades teológicas em justificar a onipotência diante da resistência universal.
O Molinismo, com a introdução dos CLFs e a escolha de mundos viáveis, transforma o problema da teodiceia. Ele sugere que, se Deus não criou um mundo de salvação universal, é porque tal mundo não era viável para Ele, devido às verdades contrafactuais de liberdade (CLFs) que limitavam Suas opções criativas. Deus é confrontado pelos contrafactuais de liberdade da criatura, e Ele tem que operar dentro dessas limitações metafísicas para alcançar o “ótimo equilíbrio” de salvos e perdidos. O Arminianismo não precisa dessa complexidade; a rejeição é vista como uma simples resistência à graça capacitadora.
Conclusão: Síntese Doutrinária e Implicações para a Teologia Contemporânea
O estudo rigoroso do Molinismo e sua distinção do Arminianismo Clássico revela que, embora ambos compartilhem uma defesa intransigente do Livre Arbítrio Libertário (LFw), eles divergem crucialmente na definição da onisciência divina e seu papel na providência.
O Arminianismo Clássico, ao empregar a Presciência Pura, oferece a perspectiva mais direta e transparente para a soteriologia da graça resistível. Neste sistema, a eleição é a ratificação por Deus da fé prevista do homem, mantendo a graça capacitadora (Graça Preveniente) universal, pessoal e totalmente resistível. Essa abordagem não apenas preserva a responsabilidade humana sem o artifício de mecanismos lógicos complexos, mas também enfatiza o caráter voluntário e relacional da salvação, onde o decreto divino (Eleição Condicional) é uma resposta soberana à fé genuína e livremente exercida.
Em contrapartida, o Molinismo, embora ofereça uma ferramenta logicamente sofisticada para conciliar a liberdade com uma providência minuciosa (a Scientia Media e os CLFs), introduz uma pesada carga metafísica. Sua distinção fundamental reside no fato de Deus saber o que o homem iria fazer em qualquer cenário hipotético, permitindo um planejamento ativo dos ambientes criados. No entanto, é precisamente a inteligibilidade desse Conhecimento Médio que gera o seu maior obstáculo: a Objeção do Fundamento (GO) . A ausência de um fundamento claro para a verdade dos CLFs, logicamente anteriores ao decreto criativo, desafia a própria sustentabilidade filosófica do Molinismo.
A simplicidade bíblica do Arminianismo, onde Deus sabe o que será (Presciência Pura), não requer o compromisso com mecanismos filosóficos que correm o risco de serem ininteligíveis. Enquanto o Molinismo busca uma soberania garantida através da seleção de mundos viáveis, o Arminianismo aceita a soberania que se manifesta na capacitação universal e na condição de fé, valorizando a liberdade real do agente, mesmo que isso implique no risco da frustração da Sua vontade antecedente em salvar a todos.
Portanto, para a teologia arminiana, o modelo da Presciência Pura é teologicamente superior, pois harmoniza o amor universal de Deus, a liberdade humana e a Eleição Condicional, sem recorrer a verdades contrafactuais que carecem de fundamento metafísico . O Molinismo, embora complexo e fascinante, permanece vulnerável a críticas que atacam sua arquitetura essencial, um nível de fragilidade que o Arminianismo Clássico, focado na primazia da Graça Resistível, não enfrenta.

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